sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Questões cósmicas por Carl Sagan na otica dos satélites artificiais

1. JÁ HOUVE VIDA EM MARTE? O planeta Marte é hoje um deserto congelado inteiramente seco. Mas em todo o planeta existe, claramente preservados, antigos vales de rios. Há também sinais de antigos lagos e até, quem sabe, de oceanos. Pela quantidade de crateras no terreno, podemos estimar aproximadamente a época em que Marte era mais quente e mais úmido. (O método tem sido calibrado pela formação de crateras em nossa Lua e pela datação radioativa das meias-vidas de elementos em amostras lunares recolhidas pelos astronautas da APOLLO.) A resposta é cerca de 4 bilhões de anos atrás. Mas 4 bilhões de anos atrás é justamente a época em que a vida estava surgindo sobre a Terra. Será possível que havia dois planetas vizinhos com ambientes muito semelhantes, e que a vida surgiu num deles, mas não no outro? Ou será que a vida nasceu no Marte primitivo, só para ser eliminada quando o clima misteriosamente mudou? Ou talvez haja oásis ou refúgios, quem sabe embaixo da superfície, onde algumas formas de vida subsistem até os nossos dias. Assim, Marte nos propõe dois enigmas importantes - a possível existência de vida passada ou presente e a razão de um planeta semelhante à Terra ter se fechado numa era glacial permanente. Essa última questão pode ter interesse prático para nós, uma espécie que está diligentemente agredindo seu próprio meio ambiente com muito pouca compreensão das conseqüências. Quando a VIKING pousou em marte em 1976, cheirou a atmosfera e descobriu muitos dos mesmos gases que existem na atmosfera da Terra - dióxido de carbono, por exemplo - e uma escassez de gases também prevalecente na atmosfera da Terra - ozônio por exemplo. Além do mais, a variedade particular das moléculas, sua composição isotópica, foi determinada, sendo em muitos casos diferentes da composição isotópica das moléculas comparáveis na Terra. Tínhamos descoberto a marca característica da atmosfera marciana. Ocorreu então um fato curioso. Meteoritos - rochas do espaço - tinham sido encontrados na camada de gelo da Antártida, pousados em cima da neve congelada. Alguns já haviam sido descobertos na época da Viking, outros foram descobertos mais tarde; todos tinham caído na Terra antes da missão Viking, muitas vezes dezenas de milhares de anos antes. Na limpa camada de gelo antártica, não foi difícil discerni-los. A maioria dos meteoritos assim coletados foi levada para o que nos dias da Apollo fora o Laboratório Receptor Lunar, em Houston. Mas os fundos de financiamento são muito escassos na NASA nos dias de hoje, e durante anos não se fez nem mesmo um exame preliminar em todos esses meteoritos. Alguns mostraram ser da Lua - um meteorito ou cometa causa impacto na Lua, espalhando rochas lunares pelo espaço, uma ou algumas das quais pousaram na Antártida. Um ou dois desses meteoritos provêm de Vênus. E, espantosamente, alguns deles, a julgar pela marca atmosférica marciana oculta em seus minerais, provêm de Marte. Em 1995-6, cientistas do Centro de Voo Espacial Johnson da NASA finalmente conseguiram examinar um dos meteoritos - ALH84001 -, que mostrou ser de Marte. Não parecia de modo algum extraordinário, assemelhando-se a uma batata amarronzada. Quando a microquímica foi examinada, descobriram-se certas espécies de moléculas orgânicas, sobretudo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHS). Em si, eles não são assim tão excepcionais. Estruturalmente, parecem os padrões hexagonais dos pisos de banheiro, com um átomo de carbono em cada vértice. Os PAHS são encontrados em meteoritos comuns, em grãos interestelares, e há suspeitas de que existem em Júpiter e Titã. Absolutamente não indicam vida. Mas os PAHS estavam arranjados de tal modo que havia maior quantidade deles nas partes mais profundas do meteorito antártico, sugerindo que não era contaminação de rochas terrestres (nem gases de automóveis), mas algo intrínseco ao meteorito. Ainda assim, os PAHS em meteoritos não contaminados não indicam vida. Outros minerais também associados com a vida na Terra foram igualmente encontrados. Mas o resultado mais provocador foi a descoberta do que alguns cientistas estão chamando de nanofósseis - minúsculas esferas ligadas entre si, como colônias de bactérias muito pequenas sobre a Terra. Mas podemos ter certeza de que não existem minerais marcianos que tenham forma semelhante? A evidência é adequada? Há anos venho frisando, em relação aos UFO's, que afirmações extraordinárias requerem evidência extraordinária. A evidência de vida em Marte ainda não é bastante excepcional. Mas é um primeiro passo. Que nos aponta outras partes desse meteorito marciano específico. Que nos guia para outros meteoritos marcianos. Que nos sugere a busca de meteoritos bem diferentes no campo de gelo da Antártida. Que nos indica que não deveríamos buscar apenas rochas profundamente enterradas, obtidas de um ou sobre Marte, mas rochas bem pouco profundas. Que nos impõe uma reconsideração dos resultados enigmáticos dos experimentos biológicos na Viking, alguns dos quais foram interpretados por certos cientistas como sinais da presença de vida. Que sugere o envio de missões espaciais para locais especiais em Marte, que podem ter sido os últimos a perder o calor e a umidade. Que abre todo o campo da exobiologia em Marte. E se tivermos a sorte de encontrar até mesmo um simples micróbio em Marte, termos a maravilhosa circunstância de dois planetas vizinhos, ambos com vida na mesma época primitiva. É verdade, talvez a vida tenha sido transportada de um mundo para o outro por impacto de meteoritos, e não tenha tido origem independente em cada um deles. Deveríamos ser capazes de verificar essa hipótese, examinando a química orgânica e a morfologia das formas de vida descobertas. Talvez a vida tenha surgido apenas num desses mundos, evoluindo separadamente em ambos. Teríamos então um exemplo de vários bilhões de anos de evolução independente, um tesouro biológico que de outra maneira seria inatingível. E se tivermos ainda mais sorte, vamos descobrir formas de vida realmente independentes. Os ácidos nucleicos são a base de sua catálise enzimática? Que código genético usam? Seja quais forem as respostas para essas perguntas, quem ganha é toda a ciência da biologia. E seja qual for o resultado, a implicação é que a vida pode ser muito mais difundida do que a maioria dos cientistas imaginaria. Na próxima década, muitas nações têm planos vigorosos de enviar a Marte naves robóticas que orbitem ao redor do planeta e pousem na sua superfície, levando veículos exploradores e penetradores do subsolo, com o objetivo de estabelecer os fundamentos necessários para responder a essas perguntas; e - talvez - em 2005 parta uma missão robótica para trazer de volta para a Terra amostras do solo e do subsolo de Marte. 2. TITÃ É UM LABORATÓRIO PARA A ORIGEM DA VIDA? Titã é a grande lua de Saturno, um mundo extraordinário com uma atmosfera dez vezes mais densa que a da Terra e composta principalmente de nitrogênio (como aqui) e metano (CH4). As duas naves espaciais norte-americana Voyager detectaram um certo número de moléculas orgânicas simples na atmosfera de Titã - compostos químicos com estrutura baseada em átomos de carbono que estão ligados à origem da vida sobre a Terra. Essa lua é circundada por uma camada opaca de névoa avermelhada, que tem propriedades idênticas às de um sólido vermelho-marrom fabricado em laboratórios, quando se aplica energia a uma atmosfera simulada de Titã. Quando analisamos do que é feito esse material, descobrimos muitos dos tijolos essenciais da vida na Terra. Como Titã está muito longe do Sol, qualquer água ali deve ser congelada - assim, é de se pensar que, na melhor das hipóteses, a lua é um equivalente incompleto da Terra na época da origem da vida. Entretanto, impactos ocasionais de cometas são capazes de derreter a superfície, e parece que boa parte de Titã esteve debaixo da água durante um milênio, mais ou menos, na sua história de 4,5 bilhões de anos. No ano de 2004, a nave espacial da NASA Cassini vai chegar ao sistema de Saturno: uma sonda de entrada chamada de Huygens, construída pela Agência Espacial Européia, vai se separar da nave e afundar lentamente na atmosfera de Titã até a sua enigmática superfície. Poderemos então ficar sabendo até onde Titã chegou no caminho para a vida. 3. HÁ VIDA INTELIGENTE EM OUTROS LUGARES? As ondas de rádio viajam à velocidade da luz. Nada viaja mais rápido. À frequência correta, elas passam sem problemas pelo espaço interestelar e pelas atmosferas planetárias. Se o maior telescópio de rádio/radar na Terra estivesse apontado para um telescópio equivalente num planeta de outra estrela, os dois telescópios poderiam escutar os sinais dum do outro, mesmo que estivessem separados por milhares de anos-luz. Por essas razões, os radiotelescópios existentes estão sendo usados para ver se alguém não está nos enviando uma mensagem. Até agora não encontramos nada de definitivo, mas têm ocorrido "eventos" para a existência de inteligência extraterrestre, à exceção de um: volta-se a virar o telescópio e apontá-lo para aquele pedaço do céu, minutos mais tarde, meses mais tarde, anos mais tarde, e o sinal nunca se repete. Estamos apenas no início do programa de busca. Uma busca realmente completa levaria uma ou duas décadas. Se a inteligência extraterrestre for encontrada, nossa visão do universo e de nós mesmos vai mudar para sempre. E, se depois de uma busca longa e sistemática não encontrarmos nada, teremos talvez calibrado um pouco da raridade e preciosidade da vida sobre a Terra. De qualquer modo, é uma pesquisa que vale a pena. 4. QUAL É A ORIGEM E O DESTINO DO UNIVERSO? Espantosamente, a astrofísica moderna está prestes a determinar percepções fundamentais da origem, natureza e destino de todo o universo. O Universo está em expansão. Todas as galáxias estão se afastando velozmente umas das outras no que é chamado de fluxo de Hubble, uma das três principais evidências de uma enorme explosão na época em que o universo teve início - ou, pelo menos, sua presente encarnação. A gravidade da Terra é bastante forte para atrair de volta uma pedra atirada para o céu, mas não um foguete com velocidade de escape. E assim acontece com o universo: se ele contém uma grande quantidade de matéria, a gravidade exercida por toda essa matéria vai diminuir e deter a expansão. Um universo em expansão será convertido num universo em colapso. E se não há bastante matéria, a expansão vai continuar para sempre. O presente inventário de matéria no universo é insuficiente para diminuir a expansão, mas há razões para pensar que talvez exista uma grande quantidade de matéria escura que não trai a sua existência emitindo luz, para a conveniência dos astrônomos. Se o universo em expansão se revelar apenas temporário, sendo finalmente substituído por um universo em contração, isso certamente criará a possibilidade de que o universo passa por um número infinito de expansões e contrações, sendo infinitamente antigo. Um universo infinitamente antigo não tem necessidade de ser criado. Sempre esteve ali. Por outro lado, se não há matéria suficiente para reverter a expansão, isso seria coerente com um universo criado do nada. Essas são questões profundas e difíceis que toda cultura humana tem de algum modo tentado enfrentar. Mas é só na nossa época que temos uma perspectiva real de desvendar algumas das respostas. Não por meio de conjeturas ou histórias - mas por observações reais, verificáveis, passíveis de repetição. Com sua formação multidisciplinar, Sagan foi o autor de obras como Cosmos(que foi transformada em uma premiada série de televisão), Os Dragões do Éden (pelo qual recebeu o prêmio Pulitzer de Literatura), O Romance da Ciência, Pálido Ponto Azul e O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela No Escuro. Escreveu ainda o romance de ficção científica Contato, que foi levado para as telas de cinema, posteriormente a sua morte. Sua última obra, Bilhões e Bilhões, foi publicada postumamente por sua esposa e colaboradora Ann Druyan e consiste, fundamentalmente, numa compilação de artigos inéditos escritos por Sagan, tendo um capítulo sido escrito por ele enquanto se encontrava no hospital. Recentemente foi publicado no Brasil mais um livro sobre Sagan, Variedades da experiência científica: Uma visão pessoal da busca por Deus, que é uma coletânea de suas palestras sobre teologia natural. Isaac Asimov descreveu Sagan como uma das duas pessoas que ele encontrou cujo intelecto ultrapassava o dele próprio. O outro, disse ele, foi o cientista de computadores e perito em inteligência artificial Marvin Minsky. Foi professor de astronomia e ciências espaciais na Cornell University e professor visitante no Laboratório de Propulsão a Jato do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Criou a Sociedade Planetária e promoveu o SETI. Carl Sagan teve um papel significativo no programa espacial americano desde o seu início. Foi consultor e conselheiro da NASA desde os anos 1950, trabalhou com os astronautas do Projeto Apollo antes de suas idas à Lua, e chefiou os projetos da Mariner e Viking, pioneiras na exploração do sistema solar que permitiram obter importantes informações sobre Vênus e Marte.

Participou também das missões Voyager e da sonda Galileu. Foi decisivo na explicação do efeito estufa em Vênus e o descobrimento das altas temperaturas do planeta, na explicação das mudanças sazonais da atmosfera de Marte e na descoberta das moléculas orgânicas em Titã, satélite de Saturno. Ele também foi um dos maiores divulgadores da ciência de todos os tempos ao apresentar a série Cosmos em 1980. Recebeu diversos prêmios e homenagens de diversos centros de pesquisas e entidades ligadas à astronomia, inclusive o maior prêmio científico das Américas, o prêmio da Academia Nacional de Ciências (no caso, o Public Welfare Medal). Recebeu também 22 títulos honoris causa de universidades americanas, medalhas da NASA por Excepcionais Feitos Científicos, por Feitos no Programa Apollo e duas vezes a Distinção por Serviços Públicos. O Prêmio de Astronáutica John F.Kennedy da Sociedade Astronáutica Norte-Americana. O Prêmio de Beneficência Pública por “distintas contribuições para o bem estar da humanidade”. Medalha Tsiolkovsky da Federação Cosmonáutica Soviética. O Prêmio Masursky da Sociedade Astronômica Norte-Americana. O prêmio Pulitzer de literatura, em 1978, por seu livro Os Dragões do Éden e o prêmio Emmy, por sua série Cosmos. Em homenagem, o asteróide 2709 Sagan leva hoje seu nome.

É provável que, se você veio aqui para se juntar a mim em um ato de recordação neste décimo aniversário da morte de Carl, você já conheça bem as numerosas realizações científicas e culturais do homem. É provável que você saiba que ele desempenhou um papel principal na exploração de nosso sistema solar, que ele acrescentou algo a nosso conhecimento das atmosferas de Vênus, Marte e Terra, que ele abriu caminho a novos ramos de investigação científica, que ele atraiu mais pessoas ao empreendimento científico que talvez qualquer outro ser humano e que ele era um cidadão consciencioso tanto da Terra como do cosmo. Talvez você seja um de muitos que foi levemente empurrado a uma trajetória de vida diferente pela atração gravitacional de algo que ele disse ou escreveu ou sonhou. Em minha estimativa parcial, ele era uma figura histórica mundial que nos incentivou a deixar a espiritualidade geocêntrica, narcisista, “sobrenatural” de nossa infância e abraçar a vastidão — amadurecer ao tomar as revelações da revolução científica moderna de coração.
Ann Druyan

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